Há pouco mais de um ano, dialogava com uma professora gaúcha
sobre as dores e as delícias desta besta e bela província lambuzada de
dendê e de exclusão. A referida mestre, que nem bem desembarcara na
Bahia, já estava estupefata com o desleixo de seus alunos – e olha que
eram estudantes do Doutorado.
“Nestas primeiras aulas, quase ninguém cumpriu o combinado. E o
pior. Nunca assumem a responsabilidade. Sempre têm uma desculpa
esfarrapada. Parecem crianças que se recusam a crescer. Caso não mudem e
cumpram com suas obrigações vou reprová-los, sem dó nem piedade”, descreveu, com um certo ar de desânimo, mas de modo firme. E, de bate-pronto, me questionou: “Como é que você consegue conviver com isto?”.
Pedi ao lerdo garçom mais uma dose de cangebrina, que, óbvio, não
chegou, e falei para a moça que, antes de conhecer os pontos turísticos e
outras mumunhas da capital, o visitante precisa ser apresentado a uma
entidade etérea e intangível chamada “O rapaz”.
“Minha amiga, seu espanto, e de muitos outros incautos que aqui
chegam, é porque vocês não foram apresentadas ao ‘rapaz’. Este sujeito é
o responsável/culpado por tudo que não funciona. Assim, se o mecânico
não consertou seu carro, a culpa é do ‘rapaz’ que não trouxe a chave
hexagonal, o alicate, o diabo”.
Porém, antes que a professora fizesse deduções equivocadas e/ou
preconceituosas, achando que esta é uma característica de uma
determinada categoria, explique-lhe que o fenômeno não escolhe classe
social. “Caso você vá num banco, o gerente/superintendente lhe dirá
que não pode resolver seu problema financeiro porque o rapaz não
apareceu para trabalhar – e o lançamento do boleto ficou travado ou
algo que o valha”.
Pois então. Lembrei-me deste episódio agora por conta desta chibança
entre o Esporte Clube Vitória e a Caixa Econômica Federal. Desde o
início do ano o Clube não recebe a grana da instituição financeira,
principal patrocinadora. E, segundo reportagem publicada no globo
esporte.com tal fato tem origem na seguinte questão. “Para que o
patrocínio com a Caixa fosse firmado, o Rubro-Negro precisou fazer um
acordo de parcelar as dívidas existentes para, assim, receber a certidão
negativa. O documento tinha validade de 19 de julho de 2013 a 15 de
janeiro de 2014”.
Porém, nesta época, a diretoria, talvez preocupada em preparar o time
para a gloriosa estréia na Copa do Nordeste (Vitória 0 x 3 América/
RN), esqueceu-se de correr atrás da certidão negativa que possibilitaria
o início do recebimento de algo em torno de R$ 6 (seis) milhões. Com a
mesma rapidez da zaga comandada por Rodrigo Defendi, só 60 dias depois
do fim do prazo foi que o ágil departamento jurídico entrou com a
liminar e recebeu o seguinte sabão do juiz Evandro Reimão Reis, da 10ª
Vara Federal. Às aspas.
“Tal circunstância temporal leva a concluir não ser tão
premente o exame da liminar já que a própria autora somente depois de
quase dois meses de vencido o documento é que se dispôs a requerer em
Juízo sua obtenção. Por isso, deve-se aguardar o decurso do prazo para
resposta (20 dias), quando certamente haverá mais elementos para formar a
convicção do magistrado”.
Pois bem, digo, pois mal. Invés de reconhecer que errou, que não
entrou com a liminar na hora necessária, o presidente do Vitória vai
para as rádios da vida culpar uma tal “herança maldita”.
Tenha santa paciência!!! É querer brincar com a inteligência alheia.
Nem vou debater a herança deixada pelo ex-presidente – até porque todos
sabem que não nutro qualquer simpatia pelo referido, que teve uma gestão
marcada pela truculência, acusações de racismo, falta de transparência,
entre outros pecados. Porém, a obrigação de ter apresentado liminar
pelo menos 60 dias antes não era dele.
O presidente atual tá querendo ser ladino, dando uma de João sem
braço e recorrendo ao velho hábito baiano de botar a culpa “no rapaz”.
Porém, assim como a professora gaúcha, boa parte da consciente torcida
do Vitória reprova, com veemência, estas tergiversações.
E aos míopes, que se preocupam e só enxergam as questões nas quatro
linhas, não custa lembrar que tal fato, entre outros, muitos outros, tem
contribuído para este início de ano tão medonho.
Portanto, presidente, é preciso assumir suas responsabilidades e sair
deste jardim da infância argumentativo, pois ninguém aqui é menino. A
torcida do Vitória merece e exige respeito. Victoria Quae Sera Tamen
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