Quem gosta de rock não tem o direito de falar mal da música de seu ninguém.
Esta sábia boutade acima é sempre repetida por uma amiga (fã de rock)
quando seus comparsas começam a fazer carinha de nojo para outros tipos
de música, especialmente para os ritmos desta província lambuzada de
dendê e rebolation, tion, tion. E olhe que a referida criatura até teria
autoridade para fazer biquinhos, pois ela é apreciadora de Leonardo
Cohen, Lou Reed (que Andy Warhol o tenha) e de umas fases de David
Bowie.
Porém, os adeptos da música zuadenta, em vez de escutarem este bom
conselho, se acham os ungidos. E não ficam quietos. E querem dar pitacos
em tudo. Ouçam o desplante.
“Você vai ao Rio de Janeiro só para ver um jogo de futebol?”,
indagaram-me, com ar de quase desprezo, como se eles não fossem useiros e
vezeiros em fazer diversas viagens à referida urbe para aplaudir astros
velhacos que se tornaram caricaturas de si mesmo.
Homi, quá; sinhô, me deixe!
Como meu prato de comer sugesta quebrou faz tempo, não dei ouvidos à
maldade alheia e desci a pirambeira para acompanhar a inolvidável e já
histórica labuta entre Vitória x Fluminense.
Aliás, nem sei mesmo porque diabos meti os roqueiros nesta
prosopopeia. Na verdade, o que queria dizer para vocês, amigos de
infortúnios, era que hoje, mais do que nunca, acordei com uma inveja
disgramada de Nelson Rodrigues. Afinal, nada melhor do que estar morto
neste momento, sem ter a obrigação de relatar a epopeia ocorrida na
tarde desse domingo no muderno Maracanã – até porque nem mesmo se
sacasse do coldre todas as hipérboles melodramáticas do ilustre e finado
tricolor conseguiria ser (in) fiel às devastadoras emoções da peleja.
PUTAQUEPARIU A TRANSCENDÊNCIA!!!
A verdade é que, com sua afeição às metáforas grandiloquentes, o
menino Nelson provavelmente diria que tudo começou 40 minutos antes do
nada e seguiria tranquilamente por este caminho de devaneios. Porém,
cartesiano, vou pra cima do fato igual a um carrapato e informo que o
início da chibança teve hora precisa. O ponteiro do relógio marcava
exatamente 18h13 quando o assoprador de apito, ladrão e gaúcho
(desculpe-me as redundâncias) resolveu expulsar o zagueiro Kadivisky do
Vitória só porque ele rasgou a canela de Diguinho. Uma injustiça.
Afinal, deveria existir uma lei garantindo que quem desce a madeira num
sujeito de nome ridículo como Diguinho está, a priori, absolvido,
perdoado. Porém, o desinfeliz de preto contrariou esta cláusula pétrea
da Carta Magna.
Mas, derivo.
O fato é que, a partir de então, o que era para ser apenas uma
partida de vida ou morte se transformou num rebuceteio dos 600
DEMÔNHOS.
Depois de um chutão providencial do zagueiro, que os românticos
chamariam de lançamento, a bola desviou na cabeça de pica amassada de
Dinei e sobrou para Marquinhos. O GÊNIO FRANZINO apareceu em diagonal tal e qual um raio da silibrina (seja lá que porra isto signifique) e brocou.
Antes que eu subornasse o fiscal, para que providenciasse o
desligamento de todos os refletores, o lateral direito (ala é a senhora
sua mãe) Airton traiu a pátria. 1 x 1. Como desgraça pouca é bobagem,
Ney Franco (esta história de que passei a noite dando beijos em sua boca
é apenas boato) coloca em campo Pica-Pau.
Antes de prosseguir, parênteses. (Assim é fácil, menino Nelson. Falar
de Pelé adolescente é uma beleza. Basta dizer que o negão andava em
campo com uma dessas autoridades irresistíveis e fatais. Depois, é só
completar, sem deixar a criança cair no chão, afirmando que a bola ia
aos seus pés com uma lambida docilidade de cadelinha. Ato contínuo, o
Edson Arantes ia lá e brocava. Queria ver você largar estas
prosopopeias sobre o instável Pica-Pau).
Para quem não conhece nosso herói, repito. O sujeito é cheio de
pernas, de braços e com cabelos completamente malamanhados. Tem nome de
príncipe, William Henrique, e atuação de personagem de desenho animado.
É, não custa repetir, um homem-sintese, que funde a nobreza com o mass
media. Talvez por conta desta mistura nunca tenha escutado o que é
compromisso tático. Traduzindo de forma mais gentil: é um pica tonta.
Assim, com sua entrada, o que era ruim, piorou. O time, que já estava
com um jogador a menos, perdeu mais ainda poder de marcação, virou um
bando. E o fraco Fluminense virou o jogo.
No entanto, por um desses fenômenos que nem todo o estoque de
mentiras e devaneios de Nelson Rodrigues conseguiria explicar, em menos
de três minutos o Rubro-Negro fez dois gols. Um com o lateral Juan, após
chute de Marquinhos e outro, com ele, o homem, o mito, o pentelho, o
príncipe William Pica Pau Henrique, primeiro e único.
A partir de então, não me cobre mais nenhum relato, pois apenas vi
uma mulher vestida de sol e um dragão que tinha sete cabeças e dez
pontas, e nas suas cabeças sete diademas.
Sei que houve no céu uma grande batalha: Miguel e os seus anjos
pelejavam contra o Dragão, e o Dragão com os seus anjos pelejava contra
ele – e, ao contrário do que garantiu Nelson Rodrigues, existe, sim, no
futebol, vitória improvisada, espetacularmente improvisada.
Palavras da salvação. Amém.
P.S Esta homilia vai para Dorival Caymmi, João Gilberto, seus
conterrâneos da Leões do Vale, os Vianei Bezerra, Pai e Filho e Dora,
rainha do frevo e do Maracativisky, Tiago Campelo, Jai Teixeira, o
insano Otto Bruno, o conselheiro Antônio Rocha e os outros 10 mil
Rubro-Negros que invadiram o Maraca neste domingo.
Fonte : Victoria Quae Sera Tamen
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